Ácaros

Eu tive que dar a notícia.
Tentei ser breve e delicada até o limite que a gravidade do assunto me permitiu.
Sentei ao seu lado, coloquei uma almofada no colo, olhei fundo nos seus olhos e disse:
"Seu pai morreu."


Eu esperei que o desespero tomasse conta daquela sala pequena da qual eu subestimava a capacidade de suportar notícias péssimas. Mas ele apenas cobriu o rosto com as mãos, encostou a cabeça no joelho e, por uma fração de segundos, achei que estivesse rindo. A dor faz com que o ser humano perca o controle de si e já não entenda a diferença de uma lágrima para um riso. Eu não sabia se corria para a cozinha e pegava um copo de água com açúcar ou se ficava ali parada, esperando o que estava por vir. O pior? Não. Ele levantou, caminhou lentamente até o quarto, se abaixou para olhar embaixo da cama, puxou uma caixa velha cheia de fotografia e, caído no chão, começou a abri-la. Haviam muitos registros. Eu não sabia o que ele procurava exatamente, mas era alguma coisa em especial, porque ele não cansava de passar foto a foto. Eu preferi sentar ao seu lado e esperar. Porque nessas horas é isso que os espectadores devem fazer, esperar.
Até que ele parou, segurou uma única fotografia, colocou contra a luz e disse: "Achei!"
Ele a entregou na minha mão e perguntou: "Está vendo aquele lá no fundo?" - eu balancei  a cabeça dizendo que sim - "É o meu pai."
Eu, diante de tamanha estupidez, disse: "Eu sei. O que tem de mais?"
Ele me encarou com incredulidade e calmamente explicou: "Ele está morto na foto?" - fiz que não enquanto ele abria um largo sorriso - "Pois é, ele nunca estará morto pra mim. Assim como nunca estará morto nesta fotografia."
Depois disso, levantou e foi até a varanda. Sentou na cadeira que seu pai tanto adorava e se entregou à dor, num choro silencioso e quase imperceptível.
Nesse dia eu descobri um detalhe da vida, a dor é tão estranha quanto ácaros. Pode não ser visível, ou até mesmo sentida, mas ela está ali, queiramos ou não.

- Quando eu descobrir quem sou, conto pra vocês.